Brasil precisa desenvolver uma cultura de tênis, não buscar um novo Guga

Foto: Divulgação/US Open

No domingo dia 25 de maio de 2008, o maior tenista que o Brasil já teve se despediu oficialmente das quadras. Neste dia, Gustavo Kuerten, o Guga, encerrou sua bela carreira no saibro sagrado de Roland Garros. O placar foi de 6/3, 6/4 e 6/2 para o francês Paul-Henri Mathieu, então décimo no do ranking.

O que aconteceu logo na segunda-feira, dia 26 de maio de 2008? O início – ou mesmo a intensificação – de uma jornada interminável que busca ocupar o lugar de um ídolo, mas acabou prejudicando carreiras. Sim, a famosa procura por um “Novo Guga” já soma ao menos dez anos sendo algo negativo para o tênis nacional.

Guga Kuerten Thomaz Bellucci Copa Davis
Foto: Luiz Pires/Fotojump

Tais palavras podem parecer duras em um primeiro momento, mas contemplam algo sentido por jogadores, técnicos e membros da imprensa especializada há um bom tempo. Esse tipo de procura por um ídolo acaba pressionando demais os novos nomes que aparecem bem mesmo que no juvenil. Pense só, a quantas pessoas diferentes você já viu esse termo sendo utilizado? Três, quatro, cinco? A conta vai longe. Basta um menino novo conquistar uma vitória expressiva ou se sagrar campeão de um torneio que o peso de substituir Guga cai-lhe sobre os ombros.

Tal fardo é difícil de carregar. Primeiro porque Kuerten não é apenas um jogador, mas sim um ícone. Carismático e respeitado em todo mundo por sua leveza e facilidade de interação com outros jogadores e principalmente com o público, Guga representa para muitos que acompanham o tênis como o ‘Brasil que deu certo’. E de fato é. Entretanto, ser como ele não é fácil.

A pressão por grandes títulos e por mais intimidade com as câmeras e o público fez com que até mesmo Thomaz Bellucci fosse prejudicado. Vestiram-lhe a carapuça de um ídolo que ele não conseguiu ser. E não digo pela falta de talento, porque isso Thomaz tem de sobra, ao ponto de ser o 21º do mundo e somar grandes exibições nos principais torneios do mundo. Um dos tenistas sul-americanos mais habilidosos da última década, como é Bellucci, não é valorizado por conta de todo um estigma anterior posto sobre ele.

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Bellucci fez quartas de final nos Jogos do Rio em 2016. Foto: Cristiano Andujar

Depois dele, o posto de ‘Novo Guga’ seguiu caindo por uma sequência de gerações. João Souza, o Feijão, Tiago Fernandes, Orlandinho Luz, Thiago Monteiro e, nos dias de hoje, Thiago Wild. Todos, em algum momento, foram considerados pela grande imprensa como o futuro do tênis no Brasil. E é exatamente esse o erro. O Brasil não formará um Guga Kuerten em quanto buscar por isso. O caso do nosso ‘Labrador Humano’ é específico e difícil de ser replicado. Chegar ao topo do mundo sem as condições necessárias é algo que pode acontecer uma fez no tênis, mas, ao contrário do futebol, não se replica tão facilmente.

É preciso ter estrutura para um país crescer de verdade neste esporte. Não basta torcermos por uma geração dos sonhos, que venha e nos leve ao título da Copa Davis ou emplaque três top 20. Mesmo se isso acontecer será algo efêmero. O Brasil precisa de uma cultura de tênis. Precisa de cada vez mais jovens jogando desde a infância. Precisa de clubes e torneios que incentivem a prática em todas as idades. Precisa de ainda mais profissionais dedicados a auxiliar na transição dos juvenis para o profissional. E precisa de menos pressão para que cada um que conquiste seu primeiro ponto na ATP seja um tricampeão de Roland Garros.

Tudo isso se resume em algumas observações feitas nos últimos anos. Neste, por exemplo, não temos nenhum tenista no top 100 de simples, seja na ATP ou na WTA. Os Estados Unidos, sozinho, tem 11 jogadores entre os 100 primeiros do circuito masculino e 12 no feminino.  A Rússia, 4 entre os rapazes e 8 entre as mulheres. Grandes valores aparecem também para a Espanha (10 e 4) França (9 e 4) e Alemanha (6 e 5).

Isso é tradição. É disso que precisamos. Quanto mais tenistas aparecem bem no circuito, seja como 87º do mundo ou 25º, melhor. Precisamos aumentar o número de jogadores que chegam longe para aí sim termos um novo número #1. Não precisamos de um ‘Novo Guga’, ele já fez muito por nós. Precisamos que um João da Silva, uma Maria Pereira e um José Santos tenham condições para virarem profissionais.

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